quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Audiência pública discute o polêmico projeto Novo Recife

Audiência Pública discute projeto Novo Recife (Foto: Katherine Coutinho / G1 PE)O projeto Novo Recife foi tema de uma audiência pública nesta quarta-feira (27), no Anexo I da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), no bairro da Boa Vista, no Recife. O auditório estava lotado, inclusive com pessoas aguardando do lado de fora tentando entrar. O clima foi de tranquilidade, apesar de alguns momentos de tensão devido a opiniões divergentes. Foram quase quatro horas de debate.
Este mês, duas decisões liminares já foram expedidas contra o projeto Novo Recife, uma no âmbito estadual e outra no federal. No dia 20 de fevereiro, o juiz da 7ª Vara da Fazenda Pública, no Recife, José Ulisses Viana, concedeu liminar suspendendo o andamento de cinco processos administrativos ligados ao projeto Novo Recife. Na terça-feira (26), a 12ª Vara Federal em Pernambuco acatou o pedido de liminar Ministério Público Federal (MPF), pedindo que o Novo Recife não comece a construir.
A proposta do projeto é construir um complexo habitacional e empresarial, em um terreno de 10,1 hectares. A área em questão fica entre os dois conjuntos de galpões ao longo do Cais José Estelita - do início do Cabanga ao viaduto das Cinco Pontas. O local abriga antigos galpões, estações ferroviárias e a segunda linha de trem mais antiga do Brasil
Debate
A audiência contou com a presença de deputados estaduais, representantes da prefeitura, Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Consórcio Novo Recife (responsável pelo projeto), além da sociedade civil, tanto contra quanto a favor do projeto, que prevê a construção de 13 torres - com alturas entre 21 e 37 andares - e diversas intervenções urbanísticas na região da área central da capital pernambucana.
O projeto foi apresentado pelo arquiteto do conscórcio, Marco Antônio Borsói. "Nós, como arquitetos, temos consciência plena da responsabilidade e do amor que temos pelo Recife. O projeto é em uma área realmente complexa, é um tronco de ligação entre a Zona Sul e a parte central, sabemos disso", destacou  Borsói, apontando que o Novo Recife visa também fazer a revitalização da área em que está inserido, contribuindo de forma positiva.
Como contraponto, a promotora de Meio Ambiente e Patrimônio Histórico Belize Câmara detalhou os pontos que levou o MPPE a entrar com uma ação civíl pública contra o projeto, que teve liminar concedida pelo juiz da 7ª Vara da Fazenda Pública, no Recife, José Ulisses Viana, no dia 20 de fevereiro, para interromper o processo administrativo que corre na Prefeitura. "Primeiramente, é preciso ressaltar que o projeto ainda não está aprovado. Ele passou em uma instância na Prefeitura, que foi o projeto arquitetônico. O parcelamento e a demolição ainda não passaram", explicou Belize.
O processo de parcelamento foi apontado como uma das irregularidade, uma vez que ele devia ser colocado antes do registro arquitetônico. "O parcelamento é um procedimento legal através do qual se desenha parte da cidade, quando o projeto é grande. É nesse parcelamento onde vão ficar as ruas, os equipamentos comunitários, o desenho que a cidade vai ter naquela parte. O processo de parcelamento foi protocolado três anos depois do processo de arquitetônico. Qualquer alteração no parcelmaneto pode alterar os projetos arquitetônicos. Como você aprova o projeto arquitetônico sem aprovar o parcelamento?", questionou a promotora.
Representando a Prefeitura do Recife, a secretária-executiva de Planejamento e Controle Urbano, Taciana Sotto Maior, afirmou que o poder municipal não enxerga nenhuma irregularidade. "Para protocular um projeto, é preciso ter IPTU, acesso por uma rua reconhecida, registro do arquiteto e os projetos correspondentes do terreno. Para analisar o projeto, não preciso provar que sou dona, licenciar é outra história", ressaltou Taciana.
Quanto ao parcelamento, a secretária-executiva explicou que a área tinha sete registros, sendo que cinco foram leiloados e comprados pelo Consórcio Novo Recife. "Eles registraram cinco projetos, pretendiam fazer cinco empreendimentos. Nós analisamos, pedimos a unificação do registro para então ter o loteamento e a divisão do terreno. Por isso o parcelamento foi apresentado depois", justificou Taciana, mesma explicação dada também pelo representante do Consórcio, o engenheiro Eduardo Moura.
A promotora apontou ainda irregularidades devido à ausência de pareceres de órgãos como a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), proprietária da área, para se posicionarem sobre a destinação dos imóveis ou se há interesse em preservação das edificações. "Houve um parecer da Fundarpe sim, diz que tem que ser preservado, mas afirma não ter analisado concretamente o projeto, o que significa que ela não viu se o projeto contempla isso", ressalta Belize.
Os representantes do Consórcio negaram, afirmando que tinham sim as devidas documentações necessárias. "Estamos trabalhando para provar que não há ilegalidade. Era prerrogativa de qualquer um protocolar os projetos. O Iphan tem um parecer definitivo dado pela diretoria de Brasília", afirma o arquiteto Jerônimo de Cunha Lima, do Consórcio Novo Recife.
Quanto ao estudo de impacto ambiental (EIA), Taciana explicou que foi substituído por um Estudo Técnico Ambiental. "A Secretaria de Meio Ambiente conclui que teria poluição e, devido ao impacto, achou melhor pedir um ETA. Existe esse documento da Secretaria de Meio Ambiente", ressaltou Taciana.
A promotora explicou que agora aguarda o andamento do processo. "Pedimos a anulação do projeto e que ele recomece de acordo com os marcos legais, que seja feito um estudo de impacto ambiental e de impacto na vizinhança, com uma posterior discussão com a sociedade. Só assim saberemos os reais impactos desse empreendimento", explica Belize.
Audiência Pública discute projeto Novo Recife (Foto: Katherine Coutinho / G1)Faixa em apoio ao projeto, levada por moradores da
comunidade dos Coelhos (Foto: Katherine Coutinho / G1)
Participação popular
A capacidade do auditório do Anexo 1 da Alepe é de 98 pessoas sentadas, mas contava com 130, de acordo com a organização da audiência, comdanda pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, presidida pelo deputado Betinho Gomes. Moradores das comunidades dos Coelhos, Joana Bezerra, Coque, São José e de outros bairros do Recife fizeram questão de deixar sua opinião sobre o assunto, gerando alguns momentos de tensão.
Representante o grupo Direitos Urbanos, Leonardo Cisneiros se mostrou preocupado com a questão da mobilidade e do desenvolvimento da cidade. "Uma coisa que se tem colocado que esse projeto é a única alternativa para o desenvolvimento econômico. Não é isso, é preciso se discutir o modelo de desenvolvimento que se quer para o Recife. [...] O problema é que essa maneira de ocupar é injusta", acredita Cisneiros, que é contra o projeto.
Morador do bairro de São José há mais de 50 anos, Albino Sérgio posionou-se a favor do projeto. "Infelizmente, a gente não vê projetos, não vê nenhuma ação no nosso bairro, na nossa comunidade. A gente tem que se apegar nas coisas modernas. A gente tem que acreditar no privado porque o poder público não está fazendo. A gente vai acreditar em quem? Sou a favor do projeto em nosso bairro por que acredito que a gente vai ter oportunidade de sentar e conversar", afirmou Sérgio, recebendo risos irônicos. "Eu respeitei a fala de vocês, por favor, respeitem a minha", pediu.
Do lado de fora
Algumas pessoas quiseram acompanhar a audiência, mas não conseguiram entrar. Foi o caso da arquiteta Ana Paula Carvalho, que chegou pouco depois das 9h, horário marcado para começar a audiência. "Tinha que ter sido feito em um lugar maior, se fosse para ser em um lugar pequeno, que fossem várias", apontou Ana Paula.
A arquiteta Nadja Granja  também ficou do lado de fora. "É um projeto que a população está discutindo, quer se inteirar. É importante. Não é porque é propriedade privada que se pode fazer o que quiser", defendeu Nadja, que acrescentou serem momentos como o da audiência que permite se analisar e formar opinião mais concreta sobre os projetos de impacto.
Caso
No dia 30 de novembro de 2012, o projeto foi discutido pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU). Quatro dos 26 conselheiros presentes pediram vistas do processo, para analisar mais a fundo a questão. Ao todo, o Conselho é formado por 28 integrantes. Naquela ocasião, duas cadeiras ficaram vagas. Oito membros quiseram adiantar os votos, que foram a favor do projeto.
No dia 21 de dezembro, foi realizada nova reunião do CDU, mas uma ação popular impetrada pelo grupo Direitos Urbanos conseguiu decisão liminar expedida pela 7° Vara da Fazenda Pública, impedindo a continuação do encontro.
No dia 28 de dezembro, o projeto foi aprovado no CDU por unanimidade, após liminar concedida pela Justiça autorizando a realização da votação. Dos 20 conselheiros presentes à reunião, um deles se retirou antes da votação – o representante do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) – e outro preferiu se abster. Os 18 presentes votaram favoravelmente à aprovação do projeto. A presidente do Conselho não vota.
G1

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